SOM, COMUNICAÇÃO, LINGUAGEM:
RUDIMENTOS DE FONÊMICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
Lucirene da Silva Carvalho
1 INTRODUÇÃO
Todas as discussões em torno das quais gire a presumível superioridade da língua humana têm, como esteio, a dicotomia seguinte, de cujo cerne se buscam distinções: como separar homens de animais, se ambos (1) emitem sons e (2) comunicam?
De fato, os que se calcam meramente na emissão sonora, proveniente assim de humanos como de animais, não saberiam captar, de um cão, por exemplo, uma mensagem na qual aquele estivesse referindo-se a seu “estado de espírito” ontem ou, num prognóstico, amanhã, ou mesmo dali a alguns minutos, a despeito de supostas evidências que apontassem a uma certa conjuntura específica e inequívoca de dor. Se há, por via de regra, verbos que designam algumas sutilezas do “estado de espírito” canino - ladrar, ganir, uivar, latir etc. -, provindos, aliás, de um como que afã do homem em sistematizar emoções (mesmo dos seres irracionais), esses verbos, repetimos, malogram qualquer especificidade mais aprimorada do que algo referente ao mero momento em que o som, seja ele qual for, estiver sendo emitido pelo cão. Assim é que dizemos que aquele animal ladra de raiva, gane ou uiva de dor, late por inquietação, sem, contudo, podermos dizer que ladra por expressar uma raiva enrustida ou uiva para expressar antecipadamente uma saudade que julga sentir. Quem ousaria fazê-lo exceto por uma licença sobejamente poética?
E, assim como os cães, os outros animais, que não o homem, não respondem senão a estímulos externos que provoquem, naquele momento (este é um ponto primacial), a emissão de qualquer sinal comunicador.
Estando atrelada, como vemos, a fatores externos, resta claro que a capacidade - mesmo sonora, por assim dizer - dos animais seja demasiado limitada: compõem-se, esses animais, de uma muito reduzida gama de sinais que ou não se recombinam em prol de mensagens mais complexas, ou, se se recombinam - como comprovou eficazmente certas experiências com animais gregários, como abelhas -, não chegam a comunicar idéias muito intrincadas, e tampouco se referem a essas idéias em outro lugar que não o “aqui e agora”. Tudo isso, outrossim, pelo fato de os animais não poderem expressar ambigüidades, quer sejam estas intencionais (as heraclíticas, por exemplo), quer não o sejam.
É, pois, na possibilidade de emitir sons articulados e divisíveis, e, ainda, na capacidade de atribuir a esses sons significados exteriores que reside a diferença entre a linguagem humana e a comunicação animal, para, agora sim, sermos técnico no lidar com o assunto. Por isso, afirmamos com certa veemência que a linguagem estaria calcada na oralidade, sendo atributo exclusivamente humano, desde que, por oralidade, entender-se-á, de agora em diante, a faculdade inerente ao conjunto psicobiossocial de que se reveste o homem.
E, sem dúvida, reconhece-se, hoje, a linguagem como uma das faculdades de maior importância a que o homem por assim dizer recorre a fim de dirimir certas ânsias, quer o sejam boas, quer más. Haja vista, como se disse algures, o afã do homem em rotular emoções, ímpetos, sensações etc. com uma vestimenta fônico-gráfica - a palavra. Além disso, os estudos lingüísticos apontam-na (essa linguagem) como o grande vão que separa – cognitiva e comportamentalmente, queremos dizer – homens de outros animais, conforme mais ou menos satisfatoriamente ficou acima exposto. Sem contar que é a expressão de toda uma comunidade, modo com que um homem se agrega a outros; constituir-se-á, por esse meio, a necessidade de padronização dos "instrumentos" necessários à consubstanciação do entendimento de uma mensagem: eis um rudimento de definição da língua, pecando, ainda, por escassez de elementos.
Isto é: se é, de fato, muito difícil estabelecermos os primórdios da linguagem, sua gênese – e entendamo-la desde já como sobremaneira intrínseca ao homem -, não o é da mesma forma a conclusão de que esta "é uma faculdade imensamente antiga da espécie humana e deve ter precedido os elementos mais rudimentares da cultura material” (Sapir, 1954: 23). Não está à disposição dos lingüistas uma precisão quanto aos detalhes da origem da linguagem, até porque, transcendendo a gênese orgânica, que a origina, como vimos, uma língua há de sofrer sucessivas evoluções semânticas a fim de adequar-se às necessidades peremptórias dos povos que dela lançam mão.
Disso, tirar-se-á uma primeira conclusão, já tão claramente propagada por Saussure e seus discípulos: a função primordial de uma língua é transmitir mensagens, o que se dá graças a um complexo conjunto de sons arbitrariamente estipulados a fim de designarem coisas, quer sejam estas palpáveis ou não. E, em "Curso de Lingüística Geral", dá o mestre um claro caminho a ser seguido à luz do discernimento mais fino: "Evitando estéreis definições de termos, distinguimos primeiramente, no seio do fenômeno total que representa a linguagem, dois fatores: a língua e a fala. A língua é para nós a linguagem menos a fala. É o conjunto dos hábitos lingüísticos que permitem a uma pessoa compreender e fazer-se compreender "(CLG: 92).
Assim, para estabelecer-se a comunicação, é necessário que a uma dada coisa, proveniente do "mundo dos objetos" (cf. Cassirer), num primeiro patamar de detecção, seja atribuída uma chancela fônica, uma vestimenta sonora que a represente: eis o que se entende, grosso modo, por signo lingüístico, - a indissociação que se dá, na língua, entre o som que representa um objeto (mas lembremo-nos de que este não precisa ser empiricamente detectável), o que se denomina "significante", e a idéia extralingüística a que este objeto remete, ou o "significado".
Outras terminologias paralelas designam-nos, o significante e o significado, respectivamente como "estrutura" e "conteúdo", e (especificamente com os lingüistas mentalistas) como uma tripartição indissociável, em vez da bipartição acima aludida. Dentre tais mentalistas, citamos o triângulo de Ogden-Richards (PL: 114).
Referência (ou pensamento)
Símbolo lingüístico Referente
(significante) (realidade objetiva)
Aqui, referente e símbolos não se ligam entre si, mas encontram sua ligação graças à referência, sem cuja intervenção, pois, não se consolidariam os alicerces da mensagem. Assim, o segmento fônico (símbolo, significante, estrutura etc.) não teria por si só qualquer função descritiva de algo oriundo da realidade objetiva (mundo dos objetos, referente), se, entre um e outro não houvesse intervenção mental no sentido de estabelecer-se uma referência que lhes permitisse a associação.
Lembramos que Saussure refutou a terminologia "símbolo" como se fosse sinônimo de "significante", uma vez que, segundo ele, a idéia de símbolo estaria mais ligada à representação visual, não arbitrária, digamos, da coisa representada. É a razão por que se diria que a balança é o símbolo de eqüidade, uma vez que "não poderia ser substituído por um objeto qualquer, um carro, por exemplo" (CLG: 82 ).
Dessa forma, se uma escrita tivesse de ser calcada primordialmente em símbolos, haveria de ser eminentemente ideogramática como, por exemplo, o foi o hebraico em seus primórdios (um pouco adiante falaremos sobre o conceito "ideograma" em face de outros importantes à elucidação que se propõe este trabalho).
Hodiernamente, a língua é, sem dúvida, um dos fundamentos sobre os quais se firma o gregarismo do homem, uma das pedras de toque graças às quais aquele se pode fazer expressar e, por conseguinte, compreender a expressão de outros seus semelhantes.
No entanto, indo um pouco além desse pressuposto, concordamos com Jakobson em seu clássico desmembramento das funções da linguagem em:
1) referencial calcada na idéia básica de Saussure de que uma língua é o resultado de necessidade de se exprimir objetivamente uma idéia preexistente;
2) conativa centrada na aptidão - e na inclinação - que um homem tem para convencer outros;
3) emotiva calcada no locutor da mensagem, com suas sutilezas afetivas e líricas;
4) poética preocupada com o próprio significante, em primeiro lugar; com a textura física da palavra no todo: o signo, ainda que, em última instância, em detrimento do significado; haja vista os jogos de palavra, trocadilhos, difundidos desde o tempo de Shakespeare ou Camões, em que o significado fica à mercê do prazer estético do espectador;
5) fática em que se estabelecem limites e protocolos de convívio social;
6) metalingüística em que conceitos – sobretudo os do próprio fazer literário lato sensu - são trazidos à baila.
Em parelha com essa visão, relevamos a de Bühler, pela qual a linguagem, ponto de cujo centro promana a língua (consubstanciada esta em fala), traz consigo os matizes provocados pelo usuário; a saber:
1) Apelo (al. Appell);
2) Representação (al. Darstellung);
3) Manifestação (al. Kundgabe).
O fato inegável – e inerente a todas essas filosofias supracitadas – é que a linguagem é a mais recôndita forma de manifestação psíquica do homem, e só a ele importa achar sutilezas com que possa, assim, melhor manifestar-se, campo de investigação da estilística, da análise textual, da pragmática etc.
Com dizer isso, chegamos à conclusão de que a escrita é menos importante – lingüisticamente (e não tememos padecer de radicalismo) – do que a fala: pessoas podem travar comunicação sem saber ler ou escrever. Além disso, a capacidade de aquisição de uma língua, já na infância, é uma das maiores diferenças entre o homem e os demais animais, assim orgânica como intelectivamente, cumpre assinalar.
"Todas as línguas – é importante enfatizar desde o início – têm conjuntos de sons distintos chamados fonemas; uns conjuntos são agrupados em seqüência chamadas morfemas (...); e os morfemas se encaixam em estruturas denominadas palavras, sintagmas e sentenças" (grifos nossos; traduzido e adaptado de "The ABC's of Language and Linguistics", de C. Hayes Ornstein e W. Gage).
E, aqui, chegou-se a nova diferença entre a linguagem humana e uma presumível "linguagem" animal, termo impróprio: embora esta última exista se considerarmos que os animais podem transmitir entre si certas mensagens, essa tal "linguagem", por meio da qual eles se comunicam, repitamos, não resistirá à mais rasteira investigação fonêmica (tampouco a uma morfológica) que tente depreender sons mínimos que, reagrupados, forneçam subsídios à estruturação de um conjunto ilimitado de sentenças.
Com efeito, o homem, ao utilizar uma língua, inconscientemente lança mão de seu sistema, de seu gênio, a fim de, embora dispondo de número limitado de sons, construir sentenças em que possa ilimitadamente expressar suas mensagens , bem como seus universos volitivo, cognitivo, expressivo.
Assim é que esbarramos com a importância do "reaproveitamento" de sons em uma língua – o que, reiteramos, difere o homem (portador de linguagem) dos outros animais. É a chamada "economia de uma língua "(cf. Antônio Houaiss: 12 ). "É o caso de perguntar" – diz Houaiss – “o porquê de tamanha 'economia': se podemos transmitir tantos e tantos sons e ruídos, que nos dariam milhões e milhões de sílabas, por que (se há uma explicação para isso) reduzimos tanto o nosso poder? Porque – parece claro –, se os podemos emitir, podemos, em contrapartida, confundir, e com isso comprometer o que queremos, a intercomunicação". E seria esta a razão precípua por que o homem, embora dispondo de um sem-número de sons, agrupa-os sistemática e limitadamente, para darmos cabo à discussão.
Daí a importância que se vem dando à possibilidade o homem compartimentar sua língua; possibilidade esta que, em última instância, dá-se graças ao estabelecimento da noção de fonema, segundo passo de nossa incursão.
2 CONCEITOS NECESSÁRIOS PARA A COMPREENSÃO DO ESTUDO
2.1 Fonema
Segmento sonoro mínimo que, soando simultaneamente como num feixe (ingl. Bundle) de traços distintivos (ingl. Features), dá a exatidão do significado de uma certa forma lingüística se comparada a outras formas que não possuam aquele fonema ou, em seu lugar, possuam outro.
É assim que se estabelece a diferença semântica entre: Vala, ala, fala, tala, rala, sala etc.
Este traço distintivo – isto é, a oposição a outras formas na língua – é o que caracteriza o fonema, separando-o do conceito de som da fala, que é o que, em certa língua pôde ter sido estabelecido, - por razões etimológicas, sociais etc. – como os sons pertinentes aos falantes daquela língua específica. Por exemplo, seria uma análise fonética (de sons da fala):
1- Em alemão, o ch após a vogal ganha uma articulação inexistente em português, e, por isso, de difícil reprodução fonética aí: a língua levanta até tocar os alvéolos e é emitida uma corrente de ar que encontra, na língua levantada, seu maior obstáculo, obrigando o ar a encontrar a saída pelas partes laterais; assim, do ponto de vista auditivo, esse ch soará – o que é próprio do alemão, reiteramos – meio chiante, meio sibilante. Ex: sprechen.
2- Em francês, o u, é pronunciado com os lábios quase inteiramente fechados e arredondados, dando-lhe, no português, uma similaridade com o i (em alemão, por exemplo, o som que se aproxima muito deste u francês é o u com trema, ou melhor, com Umlaut – ü). Francês – fluer (fluir)/ Alemão - begründen (fundar)
3- Em inglês, o th, resultado do q (theta) grego, é emitido com o levantamento da língua até os dentes frontais da arcada superior (posição linguodental), e a corrente de ar encontra, em tal posição da língua, seu maior obstáculo.
Thin – (magro).
Todo esse estudo, sobretudo comparativo, está restrito ao estudo dos sons da fala (das várias línguas, como vimos), e interessa mais propriamente à fonética do que à fonêmica.
É interessante sabermos que o estudo fonético, até o que se restringe ao dos sons da fala, pode ter como alvo a delimitação dos significados dos vocábulos de uma certa língua. Tal abrangência se demonstra, por exemplo, quando se ultrapassa o âmbito meramente articulatório/auditivo de um certo fonema em uma certa língua - isto é, a sua correta pronúncia -, chegando-se às distinções que seriam causadas se aquele fonema não fosse articulado (e ouvido) da maneira exata como se especificou no estudo fonético.
Vale o exemplo de Mattoso: It's thin.
Pelo estudo fonético, chegou-se àquela conclusão quanto à correta articulação do th em Inglês (ver item 3 acima); isto seria, em princípio, uma preocupação fonética, nunca é demais a insistência.
Entretanto, se, neste caso particular, articula-se o th de outra forma, este representará novo(s) fonema(s), e, pois, nova(s) significação(ões).
A tendência do falante é, caso o fonema em questão não exista em sua língua, como ocorre com o th inglês, emiti-lo da forma mais próxima de um fonema aí existente. Assim é que o th, para um falante de língua portuguesa, só para darmos um exemplo, soaria ora como s, ora como t, dificilmente como theta: It's sin (pecado) /It's tin (lata) -, o que sairá, como falamos, do mero estudo fonético, não tão preocupado com o traço distintivo que caracteriza o fonema, pois que percebemos que cada palavra, em função de um fonema específico, terá uma significação própria, o que perfaz as fronteiras da fonêmica.
De tudo isso, depreende-se a excelente conceituação de Jakobson:
"O fonema é próprio som, mas interpretado na sua função diferenciadora e não na sua execução [o problema da execução está no âmbito das investigações do som da fala]" (PEFP: 130).
Por serem em número limitado, os fonemas se dispõem num paradigma - o SISTEMA FONÊMICO - de grupos 1) opositivos (ex: em português /t/:/d/, em que há oposição quanto à ausência ou presença de sonoridade) ou, ainda, 2) associativos (ex; em português /t/-/d/ pela coincidência de articulação linguodental).
Em parelha com esses conceitos, convém estudar-se, outrossim, alguns outros, que, ora restritos ao campo fonético-fonológico, passaremos a apresentar:
2.1.1) Sincronia: designa a simultaneidade dos fatos de uma língua num dado momento da História - o ESTADO LINGÜÍSTICO. Tal estado é apresentado segundo um parâmetro de análise em que sobressai um conjunto de correlações e oposições (q.v. exemplo acima).
2.1.2) Diacronia: designa a transmissão de uma língua através dos tempos, o que acarreta mudanças evolutivas que, por seu turno, descortinam estados lingüísticos diversos, se analisados, então, sob o ponto de vista sincrônico, em cujo interesse reside mais propriamente o perfilamento daqueles fatos estanques.
Enquanto a sincronia se preocupa sobremaneira com a descrição de um determinado momento da língua, deduzindo, deste, os fatos concomitantemente ocorrentes, a diacronia estuda a língua desde seus primórdios até nossos dias, preocupando-se antes com os princípios que a induziram às transformações dos tais estados lingüísticos.
Na língua portuguesa, divide-se convencionalmente a História em cinco grandes PERÍODOS ou FASES:
1)Latim vulgar imperial - até séc. IV
2)Romanço-lusitânico - séc. IV a séc. IX
3)Protoportuguês - séc. X a séc. XI
4)Português arcaico - séc. XII a séc. XV
5)Português moderno - séc. XVI em diante.
Tais fases, repetimos, não correspondem stricto sensu às transformações dos estados lingüísticos, que têm, embora atrelados naturalmente ao domínio da investigação diacrônica, maiores afinidades com o estudo sincrônico, de onde, isto sim, decorrem.
3 COMUTAÇÃO
O método que vimos acima é que permite detectar a existência de um fonema, uma vez que, sendo este substituído, chegar-se-à a um novo significado. Recebe o nome de comutação; aliás, método de comprovada eficácia em outros planos da gramática estruturalista, como na morfologia, na sintaxe e na própria semântica.
a) Cala/cola
b) Sujo/sugo/suco
Deixamos claro que o estudo fonético, diferentemente do que pode ter sido depreendido do quanto até aqui ficou exposto, tem como objeto principal a coleção do "material sonoro bruto" (cf. Jakobson, FF: 105) dentro de uma língua. Assim, a par de estabelecer investigação no plano universal, a fonética é voltada, igualmente, ao plano histórico (isto é , uma dada língua), retirando de seus falantes a maior gama possível, à exaustão, de matizes sonoros que esses possam emitir, o que, como veremos, aproxima a investigação em tela do estudo das variantes fonéticas ou alofones.
4 ALOFONE
Alofone é, em sentido estrito, a variante ou variação correspondente aos fonemas.
Tal variante pode ser:
4.1 Variante Livre: se depende exclusivamente dos traços articulatórios dos falantes da língua, sem ter imiscuída em si uma intenção de apelo ou expressividade.Tal variante faz depreender a possibilidade de uma mesma língua, embora apresentando - obviamente - comunidade de códigos, léxico etc., ter, não obstante, significativas variações diatópicas e diastráticas, isto é, mudanças atinentes ao lugar e ao nível social de onde são oriundos os falantes em questão. O Professor Mattoso nos dá o exemplo da articulação africada (consoante oclusiva com repentino aparecimento, na parte final, de uma constritiva) em certos falares.
c) Tia - /tchia/ (obs. como chair do inglês)
Tal articulação constitui, ao contrário do que poderia parecer, apenas um fonema, pois, dos pontos de vista fonêmico (ou fonológico ou fonemático) e fonético, equivale a um segmento indivisível.
Por fim, quanto à variante fonética livre (e, mais especificamente quanto ao exemplo sugerido), o Professor Mattoso adverte que, apesar de obviamente palatalizada, tal pronúncia, recorrente na cidade do Rio de Janeiro, não deve ser encarada como um fenômeno de palatalização, o que pertence ao âmbito, como veremos, da Gramática Histórica ou, segundo Saussure, Diacrônica.
4.2 Variante Estilística: quando a variante, ou melhor, a articulação se dá em função de uma série de traços excepcionais advindos de intenções psíquicas de apelo. Ainda aproveitando o vocábulo “tia”, Mattoso ensina que seria o caso de, ora, esta ser falada com um “i” prolongado, indicativo quer de surpresa, quer de carinho.
OBSERVAÇÃO: Quando um alofone tem a propriedade de anular a distinção entre dois ou mais fonemas, diz-se ter havido NEUTRALIZAÇÃO, e o fonema resultante, por assim dizer, chama-se ARQUIFONEMA, que pode:
1)corresponder a um dos fonemas (“fonema vencedor?”) ou 2) ser uma espécie de “denominador comum de todos eles[os fonemas anteriores]”(Mattoso). E exemplifica mais uma vez com a seguinte tela: pus, luz, flux - todos pronunciados [s’]
Em outro caso de alofone, deparamo-nos com o DEBORDAMENTO, em que haverá emprego facultativo de um fonema por outro em certa forma da língua, como em: /e:/ por /i/ ou /o:/ por /u/, quando pretônicos; são os casos de: academia - /akadímia/ ou /akademía/ corista - /kúrista/ ou /korísta/
5 FONÉTICA
Quanto ao plano universal, entendamos a fonética como a depreensão dos sons da fala humana em seus aspectos:
1- Físico;
2- Fisiológico
Isso gera uma tripartição em:
1-Fonética Articulatória (ou motriz);
2-Fonética Acústica;
3-Fonética Perceptual (ou auditiva)
Quanto ao plano histórico, parece-nos claro que a fonética há de levar em conta mesmo as mínimas variantes fonéticas, ainda que tais variantes não cheguem a afetar a compreensão de uma forma lingüística, não chegado, pois, ao campo da fonêmica. No mais, vale ressaltar como parte da investigação fonética (ou como estudos ancilares desta), por exemplo:
1-O papel das cordas vocais.
2-O modo de articulação.
3-O ponto de articulação.
4-As caixas de ressonância.
5-As articulações secundárias.
6 FONÉTICA E FONÊMICA
A partir da criação do termo fonema, em fins do séc. XIX (Baudoin de Courtenay, Rússia), os lingüistas passaram a se preocupar com a oposição lingüística que, como vimos, caracteriza-o. Isto é: se, do ponto de vista fonético – que era o que norteava os estudos relativos ao som –, encaram-se estes sons por critérios físicos e fisiológicos, a fonêmica introduziu uma investigação voltada para as mudanças de significado que a substituição de um fonema por outro ocasiona. Tudo isso tendo em vista a "economia de uma língua".
Pode-se afirmar, então, que, para os lingüistas, a partir do advento dos estudos fonêmicos (e do conceito de fonema), o importante é o que se "consegue" lingüisticamente (o que se comunica) quando se substitui um som por outro (um fonema por outro), e não a forma como este som é, por uma série de movimentos articulatórios, emitido (e captado).
“Es, pues, base esencial para la diferenciación entre sonydos e fonemas”(ensina Tomás Navarro. - Apud Rocha Lima: 13) “el efecto que los cambio fonéticos ejercem sobre el valor semántico de las palabras. Las modificaciones de articulación y sonoridad que la n, por ejemplo, experimenta en confuso, encima, y cinco, son sonidos de um mismo fonema.”
Por conclusão, vê-se que a fonêmica não se preocupará com os diversos matizes (quer sejam diafásicos, diastráticos, diatópicos) que se possam dar a um mesmo fonema: uma vez que haja a identidade daquele significado graças à presença do fonema que ali está, não importam tanto as variações (alofones) que porventura tenham ocorrido.
É o caso de "tio", que, no Rio de Janeiro será falado como "tchio" (pronúncia africada), enquanto no sul do país será mantida a "secura" do fonema /t/ (pronúncia dental firme), sem que, com tal variação, ocorra diferença de significado entre o vocábulo "tio", quer seja pronunciado de um jeito, quer de outro.
Daí, inferir-se: a análise fonética está voltada para a articulação, tanto física quanto fisiologicamente. A análise fonêmica busca a distinção funcional de sons, o que faz que, por substituição de fonemas, chegue-se a significados distintos.
Podemos dar outro passo.
7 FONEMAS / LETRAS / IDEOGRAMAS / GRAFEMAS
Já concluímos que os fonemas são do âmbito de estudos (fonético e fonêmico) preocupados com o som, não com a escrita, e que este som pode ser analisado física e fisiologicamente (fonética) ou em sua abrangência de significados (fonêmica) .
Cumpre levantar, contudo, novo conceito aí: o estudo que, de fato, preocupa-se com o comportamento dos fonemas é a fonêmica (/vala/x/fala/ fonemas/v/e/f/ criando significados diferentes). A fonética está voltada para os sons da fala (lingüisticamente, os fones). Cumpre, por fim, relembrar que a fonética pode depreender um fone por critérios acústicos, articulatórios ou auditivos.
• Acústico – propagação de ondas sonoras no ar.
• Articulatório – desempenho dos órgãos do aparelho fonador.
• Auditivo – impressão causada ao aparelho auditivo do ouvinte.
Assim é que se pode dizer que, do ponto de vista articulatório, /p/ é oclusiva; auditivamente é plosiva. Do ponto de vista articulatório /s/ é constritiva; auditivamente é fricativa (as subdivisões das constritivas parecem na NGB ter seguido critério auditivo, o que teria sido um lapso dos eminentes professores que a compuseram) e sibilante ao contrário de /x/ e /j/ (que são chiantes) etc.
Letra é, por seu turno, o sinal gráfico empregado, na escrita, para representar o sistema sonoro complexo de uma língua. São – como quer Mattoso (DFG, 244) – "sinais gráficos elementares com que se constroem na língua escrita os vocábulos, da mesma sorte que os vocábulos da língua oral se constituem de fonemas".
Há diversas formas de se provar a distinção entre letra e fonema. Eis algumas:
1) a mesma letra indicando, em ambientes fonéticos distintos (ou não), fonemas diferentes :
a) ambiente fonético distinto – balsa (entre consoante e vogal)/ casa (entre vogal e vogal)
b) mesmo ambiente fonético – México (entre duas vogais)/ léxico (entre duas vogais)
2) O mesmo fonema podendo ser indicado por mais de uma letra : xícara /chácara
3) Várias letras indicando um fonema (dígrafo)
a) dígrafo consonantal – chuva
b) dígrafo vocálico – santa
4) Letras que não são pronunciadas (mas que têm , em geral , função diacrítica – geralmente de timbre).
• Ah ! Oh ! (o /á/ e o /ó/, graças à letra h serão de timbre aberto ) .
• Homem / helicóptero
8 LETRA DIACRÍTICA
O ditongo "ou" é pronunciado em certas regiões como /ô/: Roubo /rôbU/ Roubou / rôbô/
M e N têm função meramente diacrítica se após vogal e antes de consoante (simultaneamente) – santo, senta, campo – não sendo, pois, um fonema isolado, mas, sim, um arquifonema nasal, uma vez que, como vimos, fará a nasalação de vogal que o precede. Adotaremos o critério de representação fonológica de todo arquifonema com letra maiúscula; assim é que teremos: campo /kaNpU/ ; santo /saNtU/; senta /seNta/. Observe que, quando dígrafos vocálicos (donde resultam arquifonemas nasais), M e N não podem de per si ser analisados como fonemas: em "santo", por exemplo, tem-se quatro fonemas (de aí alguns autores representarem o "a" nasal – graças ao "n" – com um til, para fazer coincidir o número de fonemas com o número de letras de transcrição fonológica – o que não nos parece certo, uma vez que a transcrição é, repitamos, fonológica, e não fonética; pelo que não adotarmos /sãtu/). Apesar de não constituírem fonemas independentes M e N têm função fonêmica, não apenas fonética, uma vez que cria distinção de significado; faça-se a comutação: CAMPO X CAPO /SENTA X SETA
É interessante observarmos que, embora a letra diacrítica, a rigor, possua sua característica individual como fonema, se à palavra forem adicionados certos morfemas, poderá, aquela letra, voltar a revestir-se da particularidade de ser um fonema próprio.
Assim é que, exemplificamos:
Occam /okaN/ (um dos precursores da teoria escolástica): arquifonema /N/ Occamismo / okamismo/ Fonema /m/. Aqui, o sufixo "restabeleceu" o status de fonema ao que, em outra situação, restringa-se a arquifonema.
A noção de ideograma, em primeira instância contrária à língua portuguesa, é a que preconiza que o sinal gráfico (do âmbito da escrita) possa reproduzir integralmente um dado radical (semantema).
Na evolução dos alfabetos, é sabido que as primeiras letras eram ideogramas: o aleph (boi) hebraico era o desenho de um boi; evoluiu para o alpha grego (com desenho semelhante àquele acalentado no alfabeto hebraico) , chegando ao a latino .
No período pseudo-etimológico da ortografia (do Renascimento até os primeiros anos do séc. XX), alguns autores alegavam que "lágrima" se devesse escrever com "y" (lagryma), pois tal letra (y) era mais expressiva neste vocábulo, porquanto mostraria com certa fidedignidade o desenho que uma lágrima faz ao contornar o pescoço daquele que a derramou (nota que nos foi fornecida por Evanildo Bechara). Aí, o y acumularia a função de um ideograma, posto trazer, como queriam os que lutavam por ela, o significado visualmente apreendido daquilo que representava, o que enriqueceria expressivamente, alegava-se, o significado da palavra.
Os grafemas são símbolos gráficos, como as letras, e que, no entanto, têm como objetivo que se debelem certas confusões propiciadas por palavras de significados diferentes e que possuam, embora, exatamente os mesmos fonemas. Assim, os grafemas surgem para que, na escrita, e, pois, visualmente, possam ser distinguidas palavras com significados distintos (homófonas/homônimas). Não se deve confundir tal conceito com o de clareza gráfica, ou mesmo certas distinções morfológicas (caso este em que se inserem “tem” e “têm”, por exemplo): Massa x maça . Na língua oral, não seria possível distinguir-se um vocábulo de outro; na língua escrita – graças ao grafema – tal distinção é possível.
Outros exemplos: Cerrar x serrar / Cessão x sessão x seção/ Inserto x incerto
9 RIMA
A respeito da "visualização" da palavra como subsídio insubstituível a fim de melhor apreender-lhe, quer o significado (como ocorre com os grafemas), quer a ligação expressiva que esta palavra possa ter com outras de um texto (geralmente um poema), sobre este último caso, relevamos a importância das discussões acerca da rima imperfeita. Ocorre que, na tradição poética brasileira, é comum que sejam obedecidas a pronúncia e as variantes fonéticas , quando do fenômeno de rima .
Assim, Casimiro de Abreu (PEFP, 86), ao rimar "nus" com "azuis", leva em conta um "i" epentético da pronúncia usual de "nus" (y/nuiz/= /azuis/), sem o qual a rima se tornaria sobremaneira artificial. Em termos de um mesmo "i" epentético proferido no final de sílaba travada pela consoante "s", temos, em Castro Alves (apud ob. cit., id.), a rima de "espirais" com “satanás”.
É de se estranhar que o professor Rocha Lima não tenha interpretado as palavras de Manuel Bandeira, ao dizer, este último, que "aposto, rosto; melhores, flores; bela, estrela" são "rimas quase só para os olhos". (Manuel Bandeira, in “Antologia dos poetas brasileiros da fase romântica” – apud Rocha Lima: 540). Contra essa afirmação, rebate linhas abaixo o grande professor: "Ao contrário, ‘a rima é só para o ouvido’”.
Achamos que, aí, o professor levou em consideração, de fato, as rimas que se calcam na pronúncia, nas variantes fonéticas (como azuis, nus; espirais, satanás). No entanto, os exemplos de Manuel Bandeira são, na verdade, rimas mais bem "percebidas", de fato, "pelos olhos" do que "pelos ouvidos", em função da rima entre vogais de timbres diferentes (aberto, fechado, reduzido), embora comuns em nossos poetas, serem de certa forma desconcertantes a quem apenas escuta o poema, sem tê-lo diante dos olhos.
Há rimas para os ouvidos (levando em conta as mínimas variantes fonéticas). Há rimas para os olhos (que, à moda do que ocorre com grafemas, não víssemos a escrita, poderíamos não acatá-la como na rima de fato).
Quanto à questão da letra indicando som ou imagem, vale a citação de Câmara. Jr.:
Ao lado da grafia, que é a base da língua escrita, existe nos estudos lingüísticos a chamada transcrição fonética, que é um recurso para fixar visualmente as realidades da língua oral. Aí, a letra corresponde rigorosamente a um fonema ou a uma variante do fonema [com este último caso, a transcrição fonológica não está, grosso modo, muito preocupada], ao passo que na grafia usual, mesmo a que mais se cinge ao sistema de fonemas, a letra é antes um grafema. (DFG: 200).
10 APARELHO FONADOR
Do ponto de vista fisiológico, os fones (som da fala como vimos) resultam da ação de certos órgãos sobre a corrente de ar proveniente dos pulmões. Depende-se assim, para que se produzam os sons, de:
1- corrente de ar;
2- obstáculo maior ou menor encontrado por essa corrente;
3- caixa de ressonância (faringe, fossas nasais e boca).
Tais condições, proporcionadoras da articulação, são criadas pelos órgãos de fala, que, em conjunto, formam o Aparelho Fonador.
Este aparelho é constituído por:
1- pulmões, brônquios e traquéia (fornecedores da corrente de ar);
2- laringe (onde estão as cordas vocais);
3- cavidades supralaríngeas (faringe, boca e fossas nasais), funcionam como caixa de ressonância.
É oportuna a lição dos mestres Celso Cunha e Lindley Cintra:
Quase todos os sons de nossa fala são produzidos na expiração. A inspiração normalmente funciona para nós como um instante de silêncio, um momento de pausa na elocução. Línguas há, porém, como o hotentote, o zulu, o boximane e outros idiomas africanos, que apresentam uma série de consoantes articuladas na inspiração, os ruídos que se denominam CLIQUES. Em português praticamos alguns CLIQUES, mas sem valor fonético [nós diríamos sem valor fonêmico]: o beijo, que é uma bilabial inspiratória; o muxoxo, um clique linguoalveolar; o o estalido linguodental com que animamos o andar das cavalgadas; e uns poucos mais. Sobre o assunto consulte-se Rodrigo de Sá Nogueira, “Temas de lingüística banta: dos cliques em geral”, Lisboa, Agência Geral Ultramar, 1957. (NGPC: 26)
E é pelo exposto que se chega à raiz da consubstanciação de uma língua: ao lado das necessidades psíquicas, o homem, dotado de características orgânicas que o permitiram, pôde constituir um sistema de sons mentalmente dispostos e propulsores de uma infinita gama de termos.
Por toda essa complexidade inerente à constituição de uma língua, o homem tende a acatá-la invariavelmente, ainda que o caráter arbitrário que reveste qualquer uma possa, muita vez, acarretar ineficácia quanto à maneira ideal como aquele homem poderia querer manifestar-se. É a esse respeito que discorre Saussure quando diz que: "(...) situada, simultaneamente, na camada social e no tempo, ninguém lhe pode alterar nada e, de outro lado, a arbitrariedade de seus signos implica, teoricamente, a liberdade de estabelecer não importa que relação entre a matéria fônica e a idéia". (CLG: 90)
Voltando a uma idéia prescrita no princípio deste trabalho, ratificamos que as adequações semânticas de uma língua se dão à medida que seus falantes forem tendo tais e tais necessidades. Esta seria a razão, por exemplo, por que o inglês disporia de palavras relacionadas à tecnologia em muito maior profusão do que as relacionadas à agricultura. Isso quer dizer que muitas palavras e expressões não são encontradas em certa língua, embora possam sê-lo em outra. É por isso que, não raro, certa língua tenha de lançar mão de longas paráfrases a fim de designar o que, em outra língua, é refletido por um único termo. Bally (Linguistique Générale et Linguistique Française, Berna, 1950: 149) deu a tal especificidade de uma língua em face de outra o nome de "portemanteau" (literalmente "cabide") traduzido como "comutação". Em "Princípios de lingüística geral", Mattoso dá os exemplos (retirados da obra de Bally supracitado): "o alemão schimmel se traduz necessariamente por "cavalo branco" e o inglês to starve por "morrer de fome" (...) no latim am-o a final exprime as idéias de primeira pessoa, do singular, do presente, do indicativo, da voz ativa”.( PLG: 110 ). O mesmo pode ocorrer, ressaltamos, seguindo o mesmo sentido, mas direção oposta, ao dizermos em português certas palavras (sobretudo adjetivos) que requeiram, a fim de serem traduzidos, paráfrases (cf. e.g.: “grave”, “famigerado” etc.); ou os superlativos sintéticos se levados a línguas que em princípio os não acatem (“boníssimo”).
Assim, em princípio, o povo tem de adaptar-se cultural e lingüisticamente às mudanças. É com citação de Mattoso (DFG: 130) que vem à luz estes conceitos: "As línguas são produtos da cultura para permitir a comunicação social. As mudanças na cultura determinam mudanças lingüísticas, principalmente no que se refere às categorias gramaticais e ao léxico, doando uma relação estreita entre o estudo histórico da semântica e o da história da cultura".
Na "Poética", Aristóteles já alertava quanto à necessidade de se conhecer uma cultura a fim de entender-lhes as palavras inerentes; "(...) a propósito de Dólon [Homero, Ilíada, X] ele era de aspecto disforme, deve entender-se não que ele tinha um corpo desproporcionado, mas apenas um rosto feio, pois os cretenses exprimem por (de belo aspecto) a beleza de rosto". (AP: 284).
Um dos maiores preconceitos que fazem que se julgue uma língua superior a outra é o fato de achar-se que o desenvolvimento econômico simplificaria o desenvolvimento lingüístico. Já vimos que isto não é verdade: o que o corre é uma adaptação cultural (e, pois, lingüística) à realidade vigente numa sociedade num dado momento. E, acima de todos esses pequenos matizes, dessas mudanças, citemos novamente a capacidade inauferível do homem de estabelecer comunicação por meio da linguagem, - com maior eficiência graças à fala.
Quanto à fala - ou "falar concreto", na terminologia de Coseriu -, havemos de relevar-lhe a supremacia, do ponto de vista lingüístico, em face da escrita. O fato é que, sabidamente, os afásicos encontram muito maior dificuldade de convívio do que os analfabetos. Esse fato se dá exatamente por o homem ter de concentrar seu intento, quando da tentativa de comunicar-se, sobretudo naquela organização de sons a que tanto aludimos (tendo como estribo o fonema), ainda que este homem, analfabeto, não tenha conhecimento do sinal gráfico que representa, na escrita, aquele som, - a letra.
Assim, chegamos, aqui, à idéia de que, ao lado de "comunicação animal", devemos colocar, tecnicamente, "linguagem humana", se nos quisermos situar no âmbito da língua ou da fala.